sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Sutis semidivindades




        Prefiro falar aos pássaros...
            Bem-aventurados, e felizes são, porquê não ponderam a semiose.
            Se seus entendimentos se dão de algum modo, este é ordenado, direto, compassado e objetivo.
            Virtude dos alados...

            Prefiro falar aos pássaros...
            Bem-aventurados, e felizes são, porquê não são induzidos pela razão à ceder aos impulsos sensoriais, que comprometem a cognição da mensagem.
            Não se atêm, jamais, à ruga no rosto do velho sábio que gentilmente compartilha fagulhas de seu conhecimento lógico sem pedir nada em troca -  sabe que é um espírito vivido que preenche uma carcaça física deplorável; os pássaros não estudam estética!
           
            Prefiro falar aos pássaros...
            Bem-aventurados, e felizes são, pois eles não irão refutar enesimamente as teorias numa busca ciumenta e narcisista de ostentação do saber supremo.
            Sua única intenção é serem autênticos, situados positivamente no tempo.

            Prefiro falar aos pássaros...
            Bem-aventurados, e felizes são, por nunca irão outorgar adjetivos de bem e mal à tragédia, certamente, pois sabem que a natureza “se passa” atemporal; tudo é destruído pela construção e construído pela destruição. Felizes são, por saberem, assim, tão simplesmente, que Apolo e Dionísio são o mesmo ser, e toda subsequência é mera falácia.

            Prefiro falar aos pássaros...
            Sábios eles são, e imortais permanecem na limbo do tempo, pois são arquétipos imutáveis, que constroem seu ninho hoje como faziam à dezenas de milhares de anos atrás.

            Prefiro falar aos pássaros...
            Bem-aventurados, e felizes são, porquê têm consciência de que toda razão que seja criada é finita e permeia o tempo, e torna-se limitada. Assim, preferem a ataraxia do que o julgamento vitalício, inútil (justamente pelo fato de que a razão é limitada!), do sistema operacional.

            Prefiro falar dos pássaros...
            Cuja classe consta num dicionário que nunca leram.
            Cuja vida é direta e plenamente vivida.
            Cuja aparência é somente um cacoete de um espelho maquiavélico. Ou uma arma artificial, da qual nós desgraçadamente fazemos uso em primeiro plano, em primeira instância, todo o tempo.
            Cujas dores se exprimem sem dor de vontade, e suas graças semeiam diretamente o fértil solo do sistema operacional.

            Prefiro falar aos pássaros...
            Bem-aventurados, e felizes são, porquê têm em julgo o oposto na unidade, e a unidade na oposição. A loucura na sanidade, e a sanidade na loucura. A bondade na maldade, e a maldade na bondade. Yin no Yang, e Yang no Yin. Porquê todos esses são medidas do mesmo, e o especulação do composto não lhes interessa.

            Prefiro falar aos pássaros...
            Porquê de passagem estão pela vida sensível, e não se queixam por não serem imortais.
            Não desgastam-se numa busca virtual de honra, conhecimento e dignidade. E nessa não-busca reside toda a honra, todo o conhecimento e toda a dignidade que lhes são necessários.
           
            Prefiro falar aos pássaros...
            Cujos humores resumem-se em um só. E conseguem ser ativamente passivos e passivamente ativos.
            Porquê solidariedade ou ausência dela são o mesmo ato.
            E do mesmo ato retomam a peça como se nada tivesse acontecido.

            Prefiro falar aos pássaros...
            Cuja bater de asas à altura das nuvens iguala-se à afogar o pescoço na água em busca de refeição. Todas as dimensões são uma só.

            Prefiro falar aos pássaros...
            Bem-aventurados, e felizes são.
            Porquê não cederão ao caos de minha razão
            e me responderão perpetuamente com um gracejo elegante, uma demonstração de seus pathos, intimamente ligados aos fluídos harmônicos do sistema operacional.
            Um belo canto, melodioso e sereno. Trágico, ruim, maléfico. Benéfico, saudável, caprichoso. Caótico, cacofônico, ordinário. Fino, afinado, belo.
            Assim mesmo, tudo-ao-mesmo-tempo. É o mesmo! Sempre foi!
            Fagulhas de uma arte que transcende, que colhe diretamente no cosmos, sem tecnicismo, sem teimosia, sem ganância.
           
            Bem-aventurados são, porquê até hoje só tiveram conhecimento de um adjetivo:
            Natural.